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Esta é uma prova diferente. Três vinhos distintos, de gama
idêntica, com teores diferentes também. E, dentro de algumas semanas, teremos
outra prova idêntica, com outras regiões. Desta feita, Alentejo e Tejo, a
saber, Quinta de Sant’Ana 2009 - Pinot Noir (Gradil), Herdade dos Grous 2010 e
Quatro Caminhos Reserva 2009 (Alentejo, Herdade do Monte da Ribeira). Qualquer um deles é uma boa escolha, por
motivos diferentes.
Passo a explicar a variação tonal, o enquadramento no menu
proposto, e confeccionado, como tentativa de adequação. A ordem da prova foi iniciada com a escolha desde o monocasta, o mais leve, para o mais forte. Ou seja, do Tejo para o Alentejo. Alerta, nenhum destes vinhos é fraco, pois a variação da percentagem de álcool é entre 14% e 14,5%. Qualquer um tem a capacidade de manter as suas características, e isso elege-os como opção, tal como a possibilidade de evolução em garrafa, alimentando uma boa adega, ou mesmo depois de abertos, facto que é possível constatar desde já.
Escolhida a ordem, a nomeação: primeiro, o Quinta de Sant’Ana 2009 (Pinot Noir), sem selo da CRV Tejo, que o não aprovou; depois o Herdades dos Grous 2010 – 23 Barricas (Touriga Nacional e Syrah); por fim, o Quatro Caminhos Reserva 2009 (Syrah, Alicante Bouschet, Touriga Nacional). Algumas surpresas, muito boas qualidades, uma ou outra característica que pode levar à compra, duvido que ao repúdio, em termos gerais, uma prova de generosos, equilibrada, com vinhos bastantes distintos e apelativos.
Quinta de Sant’Ana
2009 – Pinot Noir
Abriram-se as hostilidades, salvo seja, com um folhado de
massa filo com recheio de queijo de cabra, amêndoa torrada em manteiga e
redução com licor de laranja, manjericão e pedaços fatiados de alperce seco, a
acompanhar com um alperces secos inteiros salteados em licor de laranja,
temperados com manjericão, sal e pimenta. Uma criação pessoal.
Isto para um vinho de uma casa já aqui referida diversas
vezes. A tendência mineral do líquido é enorme, e isso pressente-se na abertura
de garrafa, com uma rolha ténue, com algumas notas vegetais de espargos e
espinafres, madeira muito suave e, cinco minutos mais tarde, delicadeza e
pureza que emana, com viço de identidade própria, incomparável.
Estamos perante um vinho quem nem parece tinto nem branco.
Parece híbrido, com a sua cor translúcida (facto raro num tinto com intenções
de reserva), um vermelho desmaiado cujo álcool parece ter desaparecido do
nariz, com uma madeira que continua a ser ténue.
Primeira prova, o viço. A força e a diferença, palpáveis,
com um vigor e leveza raros num vinho tinto, muito apropriado para entradas,
adequado porque sem o peso habitual, tendo-se percepção do estágio curto em
barrica (das ripas em cubas de inox no interior, para ser mais preciso), com um
nariz que enuncia um corpo mais leve, alguns toques de laranja e uma continuada
persistência da fruta ainda por maturar.
Obviamente, teria de ser um vinho aparte, sem um fim ou
princípio tão marcados como os tintos costumam carregar. O nível alcoólico que
parecia ténue no nariz, é na boca bastante elevado, com a notação mineral e
vegetal a comprovarem uma limpidez de construção, com uma nitidez que se traduz
num impacto importante. A intensidade alcoólica, que se atenua ao fim de um bom
par de horas da abertura de garrafa, é forte o suficiente para a comparação com
o teor alcoólico de uma aguardente velha. Na segunda prova, teor a morangos e
cerejas frescos, sobressaindo as notas amargas do fruto vermelho.
Herdades dos Grous
2010 – 23 Barricas (Touriga Nacional e Syrah)
Com Touriga e Syrah, espera-se um vinho apimentado. Forte nos
seus taninos, cor sem destilação, como o anterior, fruta madura, madura, certo
na parceria com um prato com conotação de enchimento, para comer devagar. Carne
de vaca (alcatara), numa peça única, assada e depois fatiada, com ameixas e
molho tratados na sua redução de vinho do Porto, acompanhada de puré de
batata-doce e cenouras bebés, num blend de receituário que envolveu a adaptação
do puré criado por Bertílio Gomes, com a carne tratada à moda de Jamie Oliver e
os legumes, à maneira de Ljubomir Stanisic.
E a rolha vem confirmar a suspeita de um vinho com uma
verticalidade a toda a prova. Muito concentrado no início, abrindo cinco
minutos depois, no odor de garrafa, com as especiarias, a pimenta e a madeira
em grande expansão, e uma manteiga que poderá, ou não, confirmar o corpo. Vamos
ver.
No primeiro contacto, um odor intenso a pétalas de rosa,
muito floral, uma concepção mastigável, de certeza, com algumas notas vegetais,
uma cor densa, encorpado, nada de percepções para lá do líquido na sua
intensidade própria, cor vermelho granado e uma espessura que carrega a
diversidade das 23 barricas. Depois, a primeira prova, e a segunda, e a terceira, e a adstringência do início é compensada por uma complexidade que mais tarde irá atenuar uma eventual percepção apimentada. Não se confirma o teor forte das especiarias, antes, os frutos vermelhos do bosque e taninos crescentes, com notas delicadas de frutos secos (amêndoas), um teor amanteigado que se confirma, e uma concentração que se espraia e diverge.
Pode considerar-se um tinto de peso? Sim, que se revela mais
generoso e maduro do que seria de esperar, pois é de 2010, e com um potencial
de garrafa intencional, com uma cor vermelho extremo, que fará as delícias dos
aficionados que daqui a dez anos quiserem elegê-lo como acompanhante de uma
refeição garantidamente marcante.
Quatro Caminhos Reserva
2009 - Herdade do Monte da Ribeira
Por esta altura, a tendência poderia ser atenuar a
complexidade vitícola, e o potencial da prova. Ao contrário, optou-se por
continuar a aumentar a complexidade, isto porque o prato seguinte aproveitava
duas circunstâncias: a de ser o final da refeição, onde o doce se impõe, com a
transposição para o fim, fim, onde os queijos reinam – e há quem os prefira aos
doces. A combinação seria improvável, só que Ljubomir Stanisic já o tinha feito, e
porque não aproveitar a deixa (ler crítica aqui), e experimentar a fórmula
contrastante?
Dito e feito. A tarte de queijo transmontano com doce de
tomate figurou com um desenho diferente, em peça única – pela ausência de
formas pequenas –, proporções acertadas, o fim acabou por revelar-se uma
explosão de sabores muito intensos, comprovados também na confecção, quando o
queijo infundia com as natas. Revelador, portanto.
A escolha deste tinto esteve relacionada com esta prova anterior, um vinho de uma gama diferente, P, com características muito próprias, como indica o nome (Pousio). As notas de chocolate poderiam vir a revelar uma
parceria perfeita, apesar dessa pretensão ser exagerada, por estarmos aqui a referir-nos a outro âmbito. A parceria foi igualmente distinta, a um nível diferente. O
gama alta, Q (da Herdade do Monte da Ribeira), assenta a sua base de construção numa estrutura de castas fortemente ligadas
ao Alentejo, a Alicante Bouschet, a Touriga Nacional, tal como a Syrah, que
por ali também é normal encontrá-la, comum aos dois, nem sempre tomada como escolha. Ou seja, por ser um
Reserva, sugeria-se que o estágio de barrica e garrafa pudesse reforçar a
tonalidade do chocolate negro, facto que, em certa medida, se veio a verificar.
Confirmação de uma rolha com o tal chocolate, intenso, aliado
a uma amplitude de frutos doces, mais compotas de morango e figo do que fruta
madura, ou frutos vermelhos, logo a abrir com uma tonalidade inigualável, com
algumas notas vegetais, do barro, e de ervas aromáticas, em ritmo forté.
Cor rubi, a segundo mais forte dos três, com uma pimenta
forte, nível alcoólico que se esboroa nalguma madeira, com a acidez marcada,
apesar do final curto, do início adstringente, de algumas notas de pistachio em
parceria com o chocolate.
Que se esvanece. Talvez por ser reserva, com outras
características, e castas, a tonalidade (no nariz) do cacau, e que se
percepciona inicialmente, vai desaparecendo à medida que a prova avança. Foi
uma surpresa e uma aprendizagem. Primeiro, porque pressentiu-se que a concepção
e o estágio relevam para o resultado, que afina e arranca para além do esperado
porque o resultado obtido das castas inverte os pressupostos, e podem diferir
neste caso porque as castas Trincadeira e Aragonês estavam ausentes.
Se por um lado temos uma ligação óbvia à doçaria, que o
vinho anterior também configura, esta escolha pode representar uma achega
aquelas receitas com menos açúcar, que vêem nesta possibilidade uma parceria
que as deixa em lugar primordial. Com queijos, então, o limite da prova é
alcançado. Foi importante perceber melhor a diferença de comportamento entre
castas, e esta variação é uma vantagem pela razão de termos tantas opções à mão
de semear.
ConclusõesNuma nota final, entenda-se que qualquer destes vinhos tem potencial para aguentar uma refeição inteira. Quer tintos, quer brancos (alguns mais complexos), têm, podem ter, esta capacidade, este potencial. Contudo, as diferenças encontradas, e que determinam a escolha, merecem referência. De todos, o menos generoso foi o primeiro, Quinta de Sant’Ana 2009 - Pinot Noir. É também o mais invulgar. Parece um rosé mais escuro, e as suas características determinam o seu uso em ocasiões especiais. O preço é também inferior, por exemplo, ao segundo, o mais caro dos três. 23 Barricas, é também um nome que se retém. Se levarmos em conta o factor ‘generoso’, este é vinho que vence a prova, com a sua complexidade, riqueza de carácter, e que sem ser invulgar, é fundamental conhecer (tal como os outros três, por outros motivos). Muitos taninos, uma cor excepcional, uma diversidade de amplitude de prova, confere-lhe uma riqueza elementar. A última escolha, que não é bem a última, porque equilibrada com o vinho do Tejo (Quinta de Sant’Ana), digamos que é um segundo lugar ex-equo, serve o propósito dos mais austeros, que optam por um vinho alentejano sem a conotação excessivamente doce que se encontra na maior parte da oferta das produções daquela planície, com reminiscências ao Dão (que saudades!), com muita identidade, e que desejam completar uma refeição deixando o prato sair como protagonista. Resumindo, 1º: Herdades dos Grous 2010 – 23 Barricas, 2º: Quinta de Sant’Ana 2009 – Pinot Noir e Quatro Caminhos Reserva 2009, ex-equo. São os vinhos da semana.